Análise Histórica de Assassin's Creed Shadows | O Que Há de Errado com a Representação do Japão Feudal

Danilo Medeiros

O lançamento do novo game da franquia Assassin's Creed, intitulado "Assassin's Creed Shadows", tem gerado grande expectativa entre os fãs da série. No entanto, um olhar mais atento ao trailer revelou algumas inconsistências históricas que podem deixar os entusiastas desapontados.


As primeiras cenas mostram uma ninja utilizando um capuz no Japão feudal, algo que já levanta questionamentos. Segundo o historiador e youtuber Thiago Braga, conhecedor das artes marciais japonesas, essa representação é esquisita, pois os ninjas não formavam clãs ou castas sociais específicas naquele período.


Braga explica que "ninja" era apenas uma profissão, e não um título ou posição de destaque na hierarquia social. Ele critica os charlatões que afirmam ensinar as chamadas "Artes Ninjas", alegando serem herdeiros de antigos clãs como Iga e Koga, pois isso não passa de mito.


Apesar das inconsistências, Thiago elogia a ambientação criada pela Ubisoft no jogo. As cenas de batalha entre samurais e ninjas, embora fictícias, são visualmente impressionantes. No entanto, ele destaca alguns detalhes históricos presentes, como o uso de lanças pelos samurais em vez de katanas, e as armaduras de estilo português adotadas pelos japoneses naquela época.


Outra cena que chama a atenção é a presença de galeões portugueses, representando a interação entre os navegadores lusos e os japoneses no período. Thiago se mostra curioso para ver como essa relação será retratada no jogo.


Um personagem que gerou polêmica é Yasuke, um ex-servo africano que, segundo algumas fontes, pode ter se tornado samurai. Apesar de ter existido, seu papel na história do Japão foi insignificante, o que levou muitos fãs a questionarem sua escolha como protagonista principal do jogo.



Thiago Braga explica que grande parte do que se sabe sobre Yasuke vem de relatos fragmentados de fontes portuguesas e japonesas da época. No entanto, sua biografia é repleta de lacunas, como o local exato de seu nascimento na África e a falta de um sobrenome conhecido.


A escolha de Yasuke como personagem central do jogo desagradou muitos fãs, principalmente os japoneses, que esperavam um protagonista mais relevante para a história do país. Thiago argumenta que a Ubisoft poderia ter optado por um guerreiro renomado do período Sengoku, ou até mesmo ter mantido Yasuke como um personagem secundário em uma side quest.


No entanto, ele reconhece que, como uma empresa privada, a Ubisoft tem o direito de tomar suas próprias decisões criativas, mesmo que isso possa alienar parte de sua base de fãs.


Outra cena polêmica é a representação de uma ninja aparentemente frágil massacrando vários samurais experientes. Thiago critica essa visão romantizada, lembrando que os ninjas não eram assassinos profissionais, mas sim espiões e sabotadores que só matavam em caso de legítima defesa.


Ele também reprova o uso excessivo de clichês como "estrelinhas ninjas", argumentando que essas representações estereotipadas e distorcidas da realidade histórica podem confundir e desinformar as crianças.


Apesar das críticas, Thiago Braga reconhece o esforço da Ubisoft em retratar elementos históricos, como as armas de tanegashima (mosquetes) introduzidas pelos portugueses, que revolucionaram a arte da guerra no Japão.


No geral, o analista demonstra uma postura equilibrada, elogiando os acertos visuais do jogo, mas apontando suas falhas na representação fiel dos fatos históricos. Para os fãs da franquia e da história japonesa, fica a expectativa de que a Ubisoft consiga encontrar um meio-termo satisfatório entre diversão e precisão histórica.


Enquanto alguns fãs possam ver as inconsistências históricas como meros detalhes para permitir mais liberdade criativa, outros as encaram como uma afronta à riqueza cultural e bélica do Japão feudal. Thiago Braga faz questão de salientar que sua crítica não é direcionada à Ubisoft especificamente, mas a uma tendência geral de distorcer fatos em prol do entretenimento.


"Não podemos esquecer que os desenvolvedores têm toda a liberdade artística de adaptarem a história como bem entenderem em seus jogos. Porém, é nosso dever como defensores do conhecimento apontar onde eles se distanciaram da realidade", afirma Thiago. "Meu objetivo não é desmerecer o trabalho deles, mas usar essas oportunidades para educar e desmistificar conceitos errôneos que se perpetuam."


Ele cita como exemplo o mito de que ninjas e samurais eram inimigos mortais, algo completamente infundado. Na verdade, ambos faziam parte da mesma estrutura militar, com papéis complementares. Os samurais, guerreiros de elite, lideravam os exércitos, enquanto os ninjas exerciam funções de espionagem e sabotagem.


"Imaginar ninjas invadindo fortalezas para assassinar samurais é tão ridículo quanto achar que os espiões da CIA invadem quartéis para matar soldados americanos", compara Thiago. "Eles faziam parte da mesma engrenagem bélica, com missões e protocolos bem definidos."


Outra questão polêmica é a suposta superioridade física e habilidades sobre-humanas atribuídas aos personagens ninjas, especialmente às mulheres. Thiago explica que, embora treinados em técnicas de combate, os ninjas não eram dotados de poderes sobrenaturais que os permitissem derrotar facilmente oponentes muito mais fortes e numerosos.


"A ideia de uma ninja miúda derrotando vários samurais fortíssimos é tão absurda quanto achar que uma criança conseguiria nocautear uma equipe inteira de jogadores de futebol americano", ironiza. "Por mais habilidosos que fossem, eles ainda eram seres humanos comuns, sujeitos às mesmas limitações físicas que qualquer outra pessoa."


Thiago reconhece que essas exagerações tendem a tornar os jogos mais empolgantes e dinâmicos, mas ressalta a importância de estabelecer um equilíbrio entre diversão e verossimilhança histórica. "Não podemos esquecer que, por trás dessas histórias fictícias, existe um legado riquíssimo e respeitável de guerreiros e estrategistas brilhantes", lembra.


Ele cita vários exemplos de líderes militares japoneses cujas histórias de vida seriam ótimas inspirações para roteiros de jogos, como Oda Nobunaga, Tokugawa Ieyasu e Date Masamune. "Imaginem as possibilidades incríveis de retratar batalhas épicas, alianças traiçoeiras e a unificação de um país dilacerado por guerras civis", vislumbra.

Danilo Medeiros
Recém formado em R.H e Administrador da Overcentral Instagram: @danilopablolima
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