Clóvis de Barros, Inédita Pamonha 246 - O Absoluto
Publicado por
Danilo Medeiros
Clóvis de Barros, Inédita Pamonha 246 - O Absoluto |
A Dinâmica das Liberdades no Absolutismo
Para entender melhor o absolutismo, é crucial compreender a dinâmica das liberdades dentro desse sistema. Quando um indivíduo sai de casa para ir à padaria, ele exerce uma liberdade condicionada e relativa, pois essa ação implica a limitação da liberdade de um eventual agressor de cometer um ato violento. As liberdades são, portanto, interdependentes e limitadas pela existência das liberdades dos outros. Se alguém abre mão de sua liberdade de ir à padaria, isso aumenta a liberdade do agressor, pois não há mais cerceamento. Da mesma forma, se todos os indivíduos abrem mão de suas liberdades, essa liberdade é concentrada nas mãos de um único soberano, que passa a deter uma liberdade absoluta, não condicionada pela liberdade de ninguém. Essa concentração de poder é a essência do absolutismo, onde o soberano define as leis e permanece fora de sua incidência, mantendo-se acima de qualquer limitação.
O Conceito de Absoluto: Desvinculação e Liberdade
A ideia de absolutismo nos convida a uma reflexão mais profunda sobre o conceito de absoluto. O absoluto, em sua essência, está ligado à desvinculação, à dimensão de não condicionamento e não determinação. No absolutismo, as leis são aplicáveis apenas aos súditos, enquanto o soberano absoluto permanece fora de sua incidência, definindo o conteúdo dessas leis sem estar sujeito a elas. Essa desvinculação radical é o que caracteriza o absoluto, que se libera de toda condição e determinação. O conceito de absolver, no direito, está intrinsecamente ligado à ideia de liberar, descondicionar e desdeterminar, rompendo vínculos que obstam a vida plena e livre.
A vida de qualquer ente particular no mundo é determinada por uma série de fatores, como o mapa genético herdado dos pais, o pertencimento político, a inscrição em um determinado ordenamento jurídico, entre outros. Animais são condicionados por sua espécie, ancestralidade e meio ambiente, enquanto objetos são condicionados pela substância da qual são feitos, sua estrutura e funcionalidade. Portanto, o absoluto não pode ser encontrado em entes particulares, pois estes são sempre condicionados. O conceito de absoluto é formal e vazio de conteúdo, podendo abrigar qualquer conteúdo desde que respeite suas características formais. No senso comum, o absoluto é muitas vezes relacionado a algo de muito valor ou indiscutivelmente precioso, mas filosoficamente, o absoluto é um conceito vazio que pode ser preenchido com qualquer conteúdo que respeite suas características formais.
O Absoluto como Primeiro Princípio
Pensar no absoluto exige a busca por um primeiro princípio, do qual todos os outros derivam. O absoluto não pode ser derivado de nada, pois se fosse, estaria condicionado por lo que lhe deu origem. Portanto, o absoluto deve ser primeiro do ponto de vista do ser e último do ponto de vista do conhecimento. À medida que recuamos em nossa busca pelo conhecimento, chegamos ao absoluto como o último princípio, o fundamento de todo o resto que dele deriva. Esse absoluto, sendo o fundamento, é desvinculado porque é ele que vincula e determina todo o resto. Ele é livre de toda determinação, pois é a partir dele que se estabelecem todas as outras determinações.
Podemos considerar o universo ou Deus como exemplos de absoluto, mas o importante é identificar as características formais do absoluto: não ser condicionado, não ser determinado, ser primeiro e ser fundamento. Essas características nos ajudam a entender que o absoluto é um conceito que transcende os entes particulares e nos convida a pensar além das coisas cotidianas, buscando o fundamento das coisas, o que veio primeiro e o que dá origem a tudo sem ter sido originado por nada.
A Fundação e o Absoluto
Para ilustrar melhor o conceito de absoluto, podemos usar a analogia de uma casa. A fundação de uma casa é seu fundamento, onde tudo está ancorado. Em relação à casa, a fundação é o fundamento. No entanto, essa fundação não surgiu do nada; ela depende da matéria-prima disponível na região, das condições geológicas e de uma certa cultura de engenharia civil que determina sua disposição. Portanto, a fundação é fundamento da casa, mas não é absoluta, pois depende de outros fatores.
O absoluto, além de ser o primeiro princípio, é incondicionado. Isso significa que não está vinculado a nenhuma condição para ser o que é. Quando pensamos em condição, pensamos em uma relação de dependência: se X é, então Y também é; se X não é, então Y também não é. Todos os entes são condicionados porque, para qualquer ente ser, foi preciso que lo que o gerou tenha sido. Por exemplo, nossa existência depende de nossos pais.
A pergunta crucial é: se o absoluto é primeiro e incondicionado, como ele veio ao ser? A resposta é que o absoluto veio ao ser por si mesmo, a partir de si mesmo, como causa de si mesmo. Ele não advém de nada exterior, pois se assim fosse, dependeria dessa causa e não seria absoluto. Portanto, o absoluto é causa de todo o resto, mas não é causado por nada a não ser por ele próprio.
O Absoluto e a Infinitude
Outra característica fundamental do absoluto é sua infinitude. O absoluto não pode ter limites, pois se tivesse, estaria condicionado na sua extensão por lo que o limita. No mundo cotidiano, encontramos entes sempre delimitados, finitos e, portanto, relativos e causados. Os seres humanos, por exemplo, são condicionados, gerados, delimitados, finitos no tempo e no espaço, relativos e contingentes. Não há nada de absoluto em nossa existência.
Quando a filosofia introduz o conceito de absoluto, ela atende a uma exigência de pensar além das coisas, além dos entes. Trata-se de uma necessidade de pensar o fundamento das coisas, o que veio primeiro, o que está por trás de tudo e que não foi originado por nada. O absoluto, portanto, é um conceito que transcende a realidade cotidiana e nos convida a refletir sobre a origem e a essência de todas as coisas.
O Absolutismo Histórico e suas Limitações
Ao considerar o monarca absolutista, é importante lembrar que, apesar do despojamento dos súditos, o poder do soberano sempre esteve condicionado por fatores como superioridade física para o exercício do poder, legitimidade simbólica tradicional e condições econômicas e históricas. Esses fatores podem se transformar, e a história mostra que o poder do monarca absoluto não é verdadeiramente absoluto, pois pode se esfarelar com mudanças nas condições sociais e de produção.
Portanto, o monarca absolutista pode atender a uma categoria histórica de absoluto, mas não a uma categoria filosófica. O poder do monarca não é absoluto porque depende de condições que podem mudar. O absoluto filosófico, por outro lado, é o universo ou Deus, entidades que não estão sujeitas a essas limitações.
A Transcendência do Absoluto
O conceito de absoluto, portanto, não pode ser encontrado em entes particulares ou em sistemas políticos históricos. Ele transcende a realidade cotidiana e nos convida a pensar em termos de primeiros princípios, fundamentos e origens. O absoluto é desvinculado, incondicionado, infinito e causa de si mesmo. Ele não depende de nada exterior para existir e é o fundamento de todo o resto que dele deriva.
Essa reflexão sobre o absoluto nos leva a uma compreensão mais profunda da natureza da realidade e da existência. Ela nos desafia a pensar além das aparências e a buscar o que está por trás de tudo, o que dá origem e sentido às coisas. O absoluto, embora seja um conceito abstrato e difícil de apreender, é fundamental para a filosofia e para a compreensão do mundo em que vivemos.
Danilo Medeiros
Formado em R.H e cursando Pós em gestão estratégica de pessoas, atual Administrador da Overcentral
Instagram: @danilopablolima