A História das Garotas do Rádio: O Primeiro Grande Acidente Nuclear

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A História das Garotas do Rádio: O Primeiro Grande Acidente Nuclear
Imagem por: Ciência Todo Dia


A História das Garotas do Rádio: O Primeiro Grande Acidente Nuclear

O ano era 1922, dentro de um banco nos Estados Unidos. Em meio ao caos do expediente, uma das operadoras de caixa, Grace Fryer, sentiu uma pontada na boca. Ao tocar os lábios, ela percebeu que um dos seus dentes tinha caído. Dias depois, um inchaço dolorido na mandíbula a levou a buscar ajuda médica. O raio-X do seu rosto revelou algo aterrorizante: seus ossos estavam se deteriorando como se estivessem sendo corroídos de dentro para fora. A mandíbula dela estava cheia de buracos, como um tecido roído por traças.


Grace não fazia ideia, mas entraria para a história como uma das primeiras vítimas de um acidente nuclear. E ela não estava sozinha. Casos semelhantes começaram a surgir por toda Nova Jersey. Mas antes de explicar o que aconteceu, é preciso entender: o que vem à sua mente quando falamos em radiação?


Para a maioria das pessoas, a palavra remete a desastres como Chernobyl. Porém, nem sempre a radiação foi sinônimo de perigo. Houve uma época em que seus riscos eram desconhecidos—ou deliberadamente ignorados. E foi essa combinação de ignorância e negligência que deu origem a uma das maiores tragédias industriais do século XX: a história das Garotas do Rádio.



A Febre do Rádio: Quando a Radiação Era um “Milagre”

No início do século XX, a descoberta do rádio por Marie e Pierre Curie em 1898 desencadeou uma verdadeira obsessão pelo elemento. A radiação, ainda pouco compreendida, era vista como uma maravilha científica—capaz de curar doenças, revitalizar a pele e até mesmo “energizar” produtos do dia a dia. Empresas aproveitaram o fascínio do público para vender de tudo:


  • Cosméticos radioativos, como cremes e pós de beleza que prometiam rejuvenescimento.
  • Água energizada com rádio, vendida como elixir da saúde.
  • Pasta de dente “radiante”, que garantia um sorriso luminoso (literalmente).

Nesse contexto, a US Radium Corporation surgiu com uma inovação revolucionária: a tinta Undark, que brilhava no escuro. Usada em relógios e instrumentos militares, a substância era uma mistura de rádio e sulfeto de zinco, criando um efeito luminoso sem necessidade de luz externa.


O Trabalho que Matava: A Rotina das Garotas do Rádio

Para produzir os mostradores luminosos, a empresa contratou dezenas de mulheres jovens—conhecidas como “Garotas do Rádio”—com salários altos para a época. Seu trabalho consistia em:


  1. Molhar os pincéis na boca para afinar as cerdas antes de aplicar a tinta.

  2. Pintar centenas de peças por dia, repetindo o gesto inúmeras vezes.

  3. Sair do trabalho brilhando, com roupas e pele levemente luminescentes no escuro.

O que elas não sabiam? Enquanto as operárias manuseavam o material sem proteção, cientistas e executivos da US Radium usavam aventais de chumbo e máscaras. Documentos internos já alertavam para os perigos da radiação, mas a empresa escondeu os riscos para não prejudicar os lucros.


O Corpo que Desmorona: Os Efeitos da Radiação

Os sintomas começaram discretos—dores nos dentes, fadiga, manchas na pele. Mas logo a situação se agravou:


  • Mandíbulas apodrecendo, com ossos se desintegrando.

  • Anemia severa e hemorragias inexplicáveis.

  • Tumores e fraturas espontâneas devido ao enfraquecimento ósseo.

Médicos ficaram perplexos. Algumas mulheres tiveram maxilares removidos cirurgicamente, enquanto outras definharam em casa, sem diagnóstico. A verdade só veio à tona quando Grace Fryer e outras sobreviventes decidiram processar a empresa.


A Batalha Judicial e a Justiça Tardia

O caso das Garotas do Rádio se tornou um dos primeiros grandes processos por doença ocupacional nos EUA. A batalha foi árdua:

  • Advogados se recusavam a enfrentar a poderosa US Radium.

  • Provas eram destruídas ou ocultadas pela empresa.

  • Vítimas morriam antes do julgamento, enfraquecendo o caso.

Em 1928, um acordo foi fechado: cada mulher recebeu apenas US10.000(cercadeUS 100.000 hoje) e assistência médica limitada. Muitas já estavam em estágio terminal.

O Legado das Garotas do Rádio

A tragédia teve impactos duradouros:

🔹 Regulamentações mais rígidas sobre materiais radioativos no trabalho.
🔹 Leis de indenização por doenças ocupacionais (aprovadas em 1949).
🔹 Conscientização sobre os perigos da radiação, encerrando a “Era do Rádio Inocente”.


Até hoje, os corpos das Garotas do Rádio continuam radioativos—seus restos emitem radiação detectável em cemitérios. Os cadernos de Marie Curie também estão contaminados e só podem ser manuseados com proteção.

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