Dread Flats: Game de Horror Psicológico Baseado no Folclore Chinês

Dread Flats: Game de Horror Psicológico Baseado no Folclore Chinês

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Dread Flats” é um jogo de terror em primeira pessoa desenvolvido pelo estúdio independente Ghostcase, que se destaca por sua abordagem atmosférica e culturalmente enraizada na folclorística chinesa. Ambientado em um prédio de apartamentos abandonado da década de 1990, o jogo utiliza elementos de horror urbano e lendas urbanas para criar uma experiência imersiva e perturbadora. A narrativa fragmentada é revelada por meio de notas espalhadas pelo ambiente e diálogos breves, incentivando os jogadores a reconstruir a história subjacente enquanto exploram os corredores claustrofóbicos e os apartamentos decadentes .

A premissa central envolve a investigação de desaparecimentos misteriosos ocorridos no local, com o jogador assumindo o papel de um influenciador digital que aceita passar uma noite no edifício amaldiçoado. A atmosfera opressiva é intensificada pelo design sonoro, que emprega ruídos sutis, como arrastar de objetos, sussurros e passos distantes, para construir uma sensação de dread constante. Esses elementos audiovisuais são fundamentais para a imersão, evitando reliance em jump scares convencionais e priorizando uma tensão psicológica persistente .

Culturalmente, o jogo incorpora superstições chinesas, como a associação do número quatro à morte, devido à similaridade fonética entre a palavra “quatro” e “morte” no idioma chinês. Esse detalhe não apenas adiciona autenticidade, mas também serve como mecanismo narrativo para justificar o isolamento do quarto andar, onde reside a entidade antagonista. A figura de uma anciã, que aparece em fotografias e recortes de jornal espalhados pelo ambiente, é uma referência a demônios da folclorística chinesa que atraem vítimas com bolinhas de gude, simbolizando uma armadilha para os desavisados .

Além dos elementos sobrenaturais, “Dread Flats” aborda temas sociais profundos, como a solidão entre idosos e as consequências do abandono familiar, agravadas por eventos como a pandemia de COVID-19. A representação da entidade como uma idosa solitária pode ser interpretada como uma metáfora para a crise de isolamento que afeta essa demografia, sugerindo que o horror emerge não apenas do sobrenatural, mas das falhas sociais não resolvidas. Essa camada temática adiciona complexidade à experiência, incentivando reflexões sobre saúde mental e negligência .

Mecanicamente, o jogo prioriza a exploração e a interação com objetos, com elementos de furtividade introduzidos durante perseguições pela entidade antagonista. Embora essas mecânicas não sejam consideradas inovadoras, são eficazes em manter a tensão. Críticas menores incluem a localização com alguns erros gramaticais e a velocidade excessiva dos textos durante exposições narrativas, o que pode dificultar a absorção de informações-chave. No entanto, o pacing geral é elogiado por não se estender além do necessário, mantendo a intensidade do início ao fim .

A recepção crítica destaca que “Dread Flats” é uma estreia impressionante para a Ghostcase, com potencial para futuros projetos que explorem horror atmosférico com base cultural. Sua capacidade de evocar medo através de ambientação realista e som detalhado, em vez de dependência excessiva em sustos, posiciona-o como uma experiência única no gênero de terror indie. Para aqueles interessados em narrativas que fusionam folclore com comentários sociais, o jogo oferece uma jornada tão thought-provoking quanto aterrorizante .

Analisando aspectos da História em Dread Flats

ATENÇÃO: SPOILER

Danilo Medeiros

Baseando-se profundamente no folclore e nas superstições chinesas, “Dread Flats” constrói sua mitologia em torno de uma entidade específica, muitas vezes interpretada como um Gui ou Yaojing, demônios ou espíritos malignos na tradição chinesa que se alimentam do medo e da energia vital dos vivos. A escolha das bolinhas de gude como isca não é aleatória; na cultura chinesa, objetos mundanos e inocentes, especialmente os associados à infância, são frequentemente usados em histórias de terror para representar uma perda traumática da inocência e uma conexão corrompida com o passado. O jogo explora habilmente o conceito de yuanfen ou , uma espécie de karma ou laço kármico, sugerindo que as vítimas estão destinadas a encontrar a entidade devido a ações passadas ou à quebra de tabus culturais, como desrespeitar um espaço abandonado e spiritualmente carregado.

A ambientação do complexo de apartamentos não é meramente um pano de fundo, mas um personagem ativo na narrativa. A arquitetura decadente e o layout labiríntico refletem a psique fracturada dos personagens e a história sombria do local. A sujeira, a ferrugem e a desintegração são meticulosamente detalhadas, criando uma sensação palpável de abandono e desespero. O jogo utiliza a iluminação de forma magistral, com fontes limitadas de luz, como lanternas com bateria fraca ou frestas de luz nas janelas sujas, que criam sombras dinâmicas e escondem perigos, intensificando a paranoia e o medo do desconhecido. Sons ambientais, como o rangido de estruturas, o gotejar de água e sussurros indistintos, são camadas de uma trilha sonora diegética que mantém o jogador constantemente em estado de alerta.

A exploração do quarto andar, deliberadamente selado e tabu, serve como o clímax da jornada psicológica do jogador. Este espaço transicional, uma dimensão alternativa que distorce as leis da física e da realidade, é onde a entidade revela sua verdadeira forma: uma figura esguia e distorcida, um arquétipo de terror que personifica o medo primordial do predador implacável. A mecânica de morrer e renascer de forma progressivamente mais deformada é uma experiencia angustiante sobre o ciclo de trauma e a perda irreversível da humanidade diante de um horror incompreensível, ecoando temas de jogos como Silent Hill.

O ato final de “lobotomizar-se” é um momento de desespero extremo e a única solução percebida para escapar de uma perseguição sobrenatural que é, na sua essência, mental e espiritual. Esta solução radical levanta questões profundas sobre o preço da sanidade e a ética de sacrificar uma parte da própria mente para sobreviver. O final, que não oferece um alívio verdadeiro mas sim um fardo silencioso e permanente, solidifica “Dread Flats” não como uma história de sobrevivência, mas como uma narrativa sobre conviver com o trauma. A entidade que segue o protagonista para casa simboliza que algumas experiências mudam uma pessoa fundamentalmente, e que o passado, assim como o medo, pode ser uma coisa da qual nunca se escapa verdadeiramente.

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